Salvador: a melhor cidade da América do Sul

 

Vou pecar de brasileiro, e sem conhecer todas as cidades da região, vou concordar com Gal e dizer que vivemos na melhor cidade da América do Sul. A gente vive numa cidade com mar, muito verde, muita cultura nas ruas e frio aqui são vinte-e-quatro graus. O povo baiano é maravilhoso. Aqui a galera se guia pela energia: o Santo bateu ou não bateu. Em todo qualquer bairro de Salvador você encontra musicistas fazendo uma roda de samba, um forró. Se você for sensitivo, vão chegar mensagens para você. Morar em Salvador é o mais perto que fiquei da África. O povo aqui é generoso, hospitaleiro. Não tem medo de ser feliz.

Claro que vai ter quem fale: “Santiago, Salvador não é tudo isso romantizado que você está pintando”. Eu sei que Salvador é mais uma cidade na América Latina e tem os mesmos problemas com o crime organizado, que têm os países da região. Claro que maiores, o Brasil tem mais habitantes. Mas o que fica claro, é que não são as facções que organizam o negócio. Estados Unidos já publicou documentos, reconhecendo que usavam a DEA para captar recursos do comércio de drogas, e financiar golpes de Estado na região. Não dá para acreditar que o chefão do negócio está numa favela, né? Ou alguém acredita que é um favelado que fecha o comércio transnacional? Como diria o Rodrigo Pimentel: ninguém vai derrubar porta no corredor da vitória. Não escrevo corredor da vitória em caixa alta, porque a vitória é deles. Eles cheiram olhando para o mar, e no Calabar tomam tiro.

Se tem coisa que gosto de Salvador é ouvir pagode no Alto das Pombas. Sentar nas mesas da pracinha, comprar uma breja no depósito, comer um espetinho bem temperado e curtir o som. Como disse a Eliane Dias, o bom de estar numa comunidade é que você sabe quem é quem, ninguém está aí fazendo caretice. Aí não tem patrão. Minto, só os comerciantes do bairro. Nas comunidades a solidariedade ainda existe. Não é só vizinha cuidando criança da vizinha, enquanto a mãe trabalha; também são as associações no bairro, as bibliotecas. Artistas que moram no bairro e fazem oficinas de arte, solidariamente, para crianças e jovens do bairro. Quem mora na Barra faz o que por seus vizinhos? Bota câmera?

Não tem bairro em Salvador onde você não possa ouvir um som bom. Seja os que são financiados pelo Estado, sejam as rodas de samba nos bairros, seja nos terreiros. Até em igreja evangélica você escuta bons musicistas. E quem não mora em comunidade, nem conhece elas, não sabe que monte de jovens viraram musicistas, esportistas ou fazem esportes, pelas atividades de graça que fazem os PMs nas bases. Conheço musicistas que aprenderam tocar na base da PM. Sei de jovens que treinam judô com PMs. O problema é que a maioria das pessoas de esquerda que tomam decisões, são brancas, não conhecem as comunidades, e não sabem de onde é que sai a juventude que vira PM. A esquerda branca não consegue olhar um PM como um jovem negro, pobre, que não teve muitas escolhas para garantir um salário, e uma pensão para os filhos. Só pobre coloca a vida em risco por um salário.

Além do que vem acontecendo em Salvador, onde tem jovens negros matando jovens negros, porque alguém quer vender droga onde não vendia, e os assassinatos da polícia, Salvador é uma cidade maravilhosa. O povo baiano é. E é o povo que faz uma cidade bonita. Tem roubo? Tem. Onde que não tem? Pessoas que gostam de se apropriar do esforço aleio existiram sempre, na Graça está lotado. Essa cidade é muito mais do que os jornais contam. E as melhores coisas que Salvador tem, a mídia não mostra. Para quem tira vendendo risco, promover medo é negócio.

Quando recebo visitas da Argentina, ou amizades de outros estados do Brasil, sempre falo a mesma coisa: aqui podem te acontecer coisas inexplicáveis, alguém chegar até você e te dizer aquilo que você precisa ouvir, sem nunca ter falado com essa pessoa. Lembro uma vez que voltava da Barra para o Santo Antônio, após uma tarde de mergulho, e a mensagem chegou no Pelourinho. Quando sai da água, fiquei olhando o mar pensando: cumpri meu sonho, moro onde posso mergulhar de graça o ano todo. Peguei o busu com um sorriso no rosto, mas na viagem comecei me preocupar com a falta de trabalho, com que as coisas ainda não saíram como espero, e desci do ônibus de cabeça baixa, olhando para o chão. Quando estava atravessando a Praça da Sé, veio uma mulher direto até mim e me disse: “levanta a cabeça, toma vergonha na sua cara”.

Foi aqui que aprendi tocar percussão, na rua do Passo, no Samba Zete, da saudosa Marizete. Assim que comprei um ovinho, e toda vez que eu vou para rua levo ele. Onde escuto uma roda de samba paro para tocar. A primeira vez que me deram um copo de breja de graça, senti que era Keith Richard. Já recebi por escrever, mas por tocar nunca tinha recebido, assim que olhem se será generoso o povo da Bahia… A primeira vez que estive nessa cidade, era casado, e já pensava em morar no Brasil. A segunda vim para um casamento, e solteiro. A terceira vim na pandemia e assim que pude mergulhar todos os dias soube que aqui era para ficar e fiquei. Porque vivemos na melhor cidade, da América do Sul, e eu preciso, eu preciso.

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